Convivência Parental em Tempos de COVID-19

ALGI Mediação
5 min readMar 23, 2020
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Laura Zuppo*

“Mãe, posso descer para brincar com os meus amigos?”

“Pai, vem brincar comigo agora!”

“Mãe, por que eu tenho que fazer lição se amanhã não tem aula?”

“Pai, me leva na vovó?”

Em meio a essas e tantas outras colocações, com aulas e atividades extracurriculares suspensas, home office implementado, restrições em espaços públicos para conter a contaminação pelo COVID-19, surge um questionamento: Como proceder em relação ao regime de convivência dos filhos de pais divorciados?

No final do ano de 2019, o mundo recebeu a notícia de que, em Wuhan na China, algumas pessoas que ingeriram frutos do mar ou animais vivos em um mercado local teriam sido infectadas por um vírus, o denominado coronavirus, COVID-19. Esse vírus provoca um quadro de insuficiência respiratória, atingindo mais gravemente pessoas idosas, hipertensas, diabéticas, fumantes, com problemas respiratórios precedentes, imunussuprimidas, recém transplantadas e todas aquelas que por alguma razão estão com o sistema imunológico deficitário.

Após ter sido constatado e ter causado inúmeras mortes na China, o vírus teve rápida disseminação para o resto mundo. Hoje já são mais de 200 mil infectados com aproximadamente 8 mil mortes, razão pela qual a Organização Mundial da Saúde — OMS declarou, em janeiro, Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional.

No Brasil, o vírus deu seus primeiros sinais em meados de fevereiro. Em março, as autoridades governamentais se posicionaram no sentido de conter a disseminação adotando medidas que têm como objetivo a redução de aglomerações. No mesmo sentido, muitas empresas privadas optaram plea modalidade do home office, escolas suspenderam as aulas presenciais, entre outras ações que foram tomadas no sentido de restringir o contato físico entre pessoas visando uma curva de contaminação menos aguda.

Não há como afirmar que o Brasil, como estrutura política, e os brasileiros, em seus mais variados papéis (pais, filhos, profissionais), estavam preparados para lidar com os efeitos sociais que este vírus causaria. Partindo dessa premissa, inúmeras mudanças tiveram de ser feitas em um curtíssimo espaço de tempo. Pensando no contexto geral das famílias brasileiras, várias são as necessidades frente a essa crise, desde a organização das atividades no lar, até os combinados em à convivência dos pais divorciados com seus filhos.

Pais divorciados têm responsabilidades em relação ao filho em comum e, sob essa perspectiva, a convivência deve ser interpretada como uma das mais importantes. A dificuldade, nesse momento, está em lidar com essa responsabilidade em face das ordens restritivas impostas pelas autoridades governamentais.

Sabe-se que para que as regras de convivência funcionem de maneira eficiente e atendam as verdadeiras necessidades da criança, como por exemplo disfrutar de um passeio na companhia de um de seus genitores, elas necessariamente precisam ter sido produto de acordos conscientes feitos pelo casal enquanto pais. Quaisquer que sejam os assuntos que envolvam ou impactem nessa responsabilidade devem ser negociados. É verdadeira a afirmação de que a negociação nem sempre é fácil, fazer com que os pais saiam de suas posições iniciais, entendam as necessidades dos filhos e equilibrem resultados exige esforço, contudo, é a construção desse caminho que garante a sua eficácia.

Ainda, pode-se dizer que a boa comunicação entre o casal parental influencia na eficácia da negociação. Observar sem julgar, expor e reconhecer sentimentos e saber pedir é de suma importância, não apenas para que as regras de convivência sejam cumpridas ou renegociadas, mas também para garantir a saúde mental e física da criança enquanto filho, que neste caso é para quem todos esses esforços são direcionados.

Ocorre que, no Brasil, a convivência parental dificilmente é negociada e construída pelo próprio casal que se divorcia, uma vez que ainda se busca no Poder Judiciário respostas prontas para os seus conflitos. Para aqueles que não temem ao conflito e têm consciência de que é a construção conjunta a melhor alternativa para reequilibrar qualquer que seja a relação, a mediação como processo decisório para gestão do conflito faz com que os pais desenhem as suas próprias regras de convivência de acordo com as suas necessidades e realidade.

Fato é que na atual conjuntura pouco importa quem desenhou as regras do regime de convivência, pois tanto o casal que se autodeterminou, quanto o casal que se pauta nos termos de uma decisão judicial, estão enfrentando os efeitos comunitários do isolamento, da irritabilidade e da falta de estabilidade causados pelo coronavirus e terão de encaixar a sua responsabilidade como pais conviventes dentro do cenário de crise.

Então… O que fazer se o pai ou a mãe estão doentes? O que fazer se a criança estiver infectada? Como gerenciar as saídas da criança da casa do pai ou da mãe? Como confiar nos cuidados do genitor que estará com o filho? O regime de convivência pode ser alterado em função da atual situação? Como não dar ensejo a novos conflitos familiares em função da constatação do vírus? É possível manter o contato do casal divorciado com seu filho mesmo com a sua rotina alterada? Algum dos genitores está bloqueado em algum outro Estado ou País, como proceder?

Para todas essas questões existem caminhos. Ainda não existem respostas prontas, não existe lei que preveja o que deve ou não ser feito, tampouco jurisprudência que se aplique por equiparação. Nesse momento, resta aos pais agirem com razoabilidade na liderança familiar que exercem, devem ser honestos com seus filhos e lhe informar que a ausência pode ser uma forma de demonstração de afeto e cuidado, devem ser competentes no sentido de tomar decisões pautadas em informações provenientes de fontes seguras, devem agir com entusiasmo em relação às atividades propostas ao filho nesse período e devem desenvolver uma das mais belas habilidades: a visão do futuro.

Queiram ou não, diante do presente cenário, a reponsabilidade em relação à convivência com o filho deverá ser negociada pelos pais, que terão de se comunicar pela segurança da criança e de suas próprias. Não tenho dúvidas de que saí na frente o casal parental que desde o divórcio entendeu que a gestão do conflito é o caminho mais adequado para o tratamento de toda e qualquer situação humana que exige trocas, mas acredito que não perde nada o casal parental que, a partir de hoje, esteja emprenhado nesse mesmo sentido.

O momento é de repensar a família, repensar as relações parentais, entender o conflito faz parte, e que a sua resolução não é tão difícil quanto parece quando comparada a vulnerabilidade do ser humano diante de uma pandemia.

Por fim, buscando trilhar esses caminhos, com muitas dúvidas, a pergunta que se não quer calar: Como você quer que seu filho se lembre da sua postura parental em tempos da crise do coravírus?

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*Formada em Direito pela Fundação Armando Alvares Penteado. Pós-graduada em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito e em Meios Alternativos de Solução de Conflito pelo LEGAL. Mestre em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Faz parte da equipe ALGI Mediação.

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